As queixas sobre os distúrbios do apetite na infância, representadas comumente pelas mães como: “Meu filho não come” e/ou “só come bobagens”, tornam-se cada vez mais freqüentes nos ambulatórios e consultórios de pediatras e nutricionistas. Afetando a todos os níveis socioeconômicos e culturais, merecendo desta forma, uma análise cuidadosa do caso, a fim de se propor uma conduta mais adequada.
As razões desse comportamento são bastante complexas, devido às interações de características familiares e contextos sociais, além do fato de que segundo a faixa etária, pode-se ter uma causa preponderante para o quadro de inapetência.
No segundo ano de vida, com maior maturidade muscular, a criança anda com mais desenvoltura e passa a explorar o seu espaço, antes fora de seu alcance, para conhecê-lo. O desenvolvimento infantil está relacionado ao aumento do grau de autonomia e o processo de socialização, desta forma, a alimentação, que até então era a principal fonte de prazer, passa a um plano secundário.
A respeito do comportamento alimentar seletivo, verificou-se que as crianças com esta característica, apresentam um consumo limitado de alimentos. A dieta dos seletivos geralmente está baseada em carboidratos e produtos lácteos. É comum observar também que, muitas destas crianças só aceitam a alimentação se esta tiver uma determinada técnica de preparo e apresentação ou comem só em um tipo de prato e sem misturar as diferentes preparações, assim como consumir apenas uma determinada marca, mediante o reconhecimento do rótulo.
Pais costumam relatar a recusa alimentar em situações onde a criança faz uso de grandes quantidades de leite ou só aceitam a alimentação sob a forma de papas e purês há mais de um ano.
Estudo realizado na Universidade do Tennesse, com crianças de 24 a 36 meses, de níveis socioeconômicos distintos, com o propósito de verificar a hipótese de que crianças seletivas possuíam consumo alimentar menor do que as não seletivas demonstrou que ambos os grupos apresentaram inadequação quanto ao consumo de cálcio, zinco, vitaminas D e E. Com relação a ingestão energética média, constatou-se que não houve diferença significativa; 1472 Kcal ( ± 413) para não seletivos e 1468 ( ± 318) para seletivos. Outro achado interessante neste estudo refere-se ao comparativo de peso e estatura, visto que não houve diferenças nos parâmetros de crescimento. Todos encontravam-se mantendo velocidade de crescimento adequado, apesar das mães das crianças seletivas acharem que seus filhos tinham algum comprometimento da saúde.
Em virtude disto, é preciso distinguir as crianças que comem pouco e/ou são seletivas daquelas que realmente apresentam critérios diagnósticos da anorexia. Alguns dos mecanismos que participam do desenvolvimento deste quadro são: dor crônica, depressão, ansiedade, hipogeusia (sensibilidade diminuída do paladar), hiposmia (diminuição do olfato), náuseas, saciedade precoce e funcionamento inadequado do tratogastrointestinal. Enquanto a seletividade não pode ser classificada como uma desordem alimentar clássica e sim como uma manifestação de protesto e oposição da criança aos pais, que a frustra ao educá-lo.
A seletividade manifesta-se sob a forma da tríade: recusa alimentar, pouco apetite e desinteresse pelo alimento, características constatadas em um estudo sueco com 240 escolares.
Outro fator relevante é a organização da rotina de vida da criança, uma vez que a influencia do horário escolar podem em determinadas situações, prejudicar a aceitação das refeições.
Estudos sobre o horário e o tempo de duração das refeições revelam que 33% das crianças não estão com fome no momento da refeição. No caso das crianças seletivas, este índice é de 52%. Com relação a durabilidade desta, os seletivos demoram mais para se alimentar (23,3 minutos) do que os não seletivos (19,7 minutos).
Ao procurar o profissional da saúde, a maioria das mães apresentam-se mobilizadas por uma angustia de “não saber o que fazer” para alimentar seu filho. A descrição destas quanto a recusa parcial a determinados tipos de alimentos gira em torno de “meu filho come apenas alguns alimentos”, “não gosta de provar nada diferente”, associado as preocupações e questionamentos sobre: “Há alguma coisa de errado com ele?”, “Será que isto não causará nenhum dano a saúde?”, “Será que não sei educar ou impor limites?”. Estes relatos demonstram sentimentos de perda de controle, estresse, incompetência, culpa e frustração nos pais, pois a criança é quem acaba decidindo o que ela quer comer e não os responsáveis.
O conflito de pais e filhos inicia-se quando a criança deseja algo e seus pais são quem determinam a quantidade e a qualidade dos alimentos a serem consumidos 6. Parece que tanto a mãe como o filho elegem o momento da refeição como a hora ideal para mostrar seus conflitos, angustias e dificuldades, instalando um ciclo vicioso, onde a criança tenta exercer com seu comportamento, um tipo de domínio sobre a situação e a família.
Estudos apontam que muitos dos problemas alimentares não dizem respeito ao ato de alimentar em si, mas são decorrentes de conflitos oriundos de relações intrafamiliares.
Existem evidências de que as crianças são capazes de ajustar a ingestão de alimentos. O clássico estudo de Clara Davis, realizado na década de 1930, tinha a seguinte proposta: as crianças “sabem” o quanto precisam comer?. Esta foi uma pergunta que Davis tentou responder com os estudos sobre auto-seleção alimentar, realizada com crianças entre 2 e 5 anos de idade, na ausência da intervenção adulta. Esta pesquisa pioneira leva-nos a sugerir que as crianças possuem uma capacidade inata de regular o consumo alimentar, denominada wisdom of the body – bom senso orgânico – e conseqüentemente são capazes de manter o crescimento e a saúde.
A crença dos pais de que as crianças são incapazes de regular sua ingestão alimentar, estimula a preocupação, a ansiedade e a intervenção dos mesmos, que recorrem ao emprego de estratégias coercitivas e controladas na alimentação da criança.
Desta maneira, é válido ressaltar aos responsáveis que, as crianças nascem com instinto de sobrevivência / preservação. Ou seja, a criança se alimenta impulsionada por dois estímulos: a necessidade do organismo e a sensação de fome.
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Como a maioria dos problemas alimentares não se limita apenas a criança, mas trata-se de um problema familiar, a avaliação e o tratamento da queixa a criança que não come deve ser realizada por uma equipe multidisciplinar. A intervenção visa tranqüilizar os pais, sanando dúvidas e diminuindo a ansiedade; e promover a modificação no comportamento alimentar da criança, tornando o momento da refeição, natural, descontraído e prazeroso para todos.
Até mais....
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